sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

RIO MAPUÁ: UM "CASE" FORA DE SÉRIE NO MARAJÓ

Imagens de foto da Resex Mapuá


 INCRÍVEL NOTÍCIA HISTÓRICA SEM INTERESSE ACADÊMICO NOTÁVEL
neste dia [27 de agosto de 1659] se acabou de conquistar o Estado do Maranhão, porque com os nheengaibas por inimigos seria o Pará de qualquer nação estrangeira que se confederasse com elles; e com os nheengaibas por vassallos e por amigos, fica o Pará seguro, e impenetravel a todo o poder estranho.” (Padre Antônio Vieira / Carta de 11/2/1660 à regente de Portugal, dona Luísa de Gusmão, viúva do rei João IV, prestando contas das Missões do Pará e, em especial, dando notícia das pazes entre portugueses, tupinambás e os povos indígenas rebeldes das ilhas do Marajó; alcançadas no "rio dos Mapuaises").

Conhecido pelos sermões e a luta que travou contra a escravidão dos índios, pouco se tem estudado a obra geopolítica do "imperador da língua portuguesa" na Amazônia. Quando a universidade brasileira se interessar pelo tema a fundo, sem dúvida Mapuá [Breves, na ilha do Marajó] terá lugar de destaque no mapa do Brasil, tanto quanto ou mais que a entrada do capitão Pedro Teixeira na famosa viagem de Belém do Pará a Quito (Equador), de 1637 a 1639, levado e trazido de volta são e salvo por 1200 índios de arco e flecha comandados por mamelucos nordestinos. Então, fará sentido aquela frase escrita às vésperas da expulsão do padre e seus confrades pelos colonos escravagistas do Pará (1661): a conquista do Maranhão em 1615 não podia estar concluída e segura sem as pazes dos portugueses com os povos "nheengaíbas" ribeirinhos das ilhas do Marajó. Entre 1615 e 1659 foram 44 anos de lutas e sobressaltos. Com certeza, Portugal e consequentemente o Brasil não teriam conseguido ultrapassar e ocupar o imenso território amazônico além da linha do tratado de Tordesilhas sem ajuda dos tupinambás na guerra e adesão dos marajoaras na paz.
  
Educação ambiental: pra quem e pra quê?

Como entender inclusão social e cidadania sem empoderamento do tempo e do espaço local. Isto é, da história e geografia do lugar?

A HISTÓRIA DO CACIQUE DOS MAPUÁ 
ENTRE ÁRVORES E ESQUECIMENTOS

Este título, colhido da obra do historiador Victor Leonardi, "Entre árvores e esquecimentos: história social nos sertões do Brasil", editora UnB, 1996; cai como luva para abordar a história de guerra e paz na conquista e colonização da região das Ilhas do estuário do grande rio das Amazonas, dentre elas a maior ilha fluviomarítima da Terra, a "ilha" do Marajó: berço da célebre Cultura Marajoara de 1500 anos de idade, primeiro cacicado da Amazônia... 

Tratei exustivamente deste assunto, sem sucesso, como se pode ver a seguir http://marajo70.blogspot.com/2009/08/o-payacu-e-o-cacique-piie.html e http://www.pick-upau.org.br/turma/verde_verbo/olvidada_historia_cacique.htm , além de outras oportunidades. Inclusive, em 2005 por ocasião dos 350 anos da "abolição" do cativeiro dos índios (lei de 1655) tive oportunidade de participar do programa "Sem Censura" da TV-Cultura do Pará e depois falar em sessão especial da Câmara Municipal de Breves sobre o tema, tendo viajado depois até o rio Mapuá até seu formador chamada Braço Esquerdo do Mapuá: zona do trópico úmido que parece talhada para sítio da Convenção Ramsar, a qual o geógrafo Eidorfe Moreira no estudo "O igapó e seu aproveitamento" chamou de "apogeu igapóreo"... 

Como foi que eu comecei a me interessar por este assunto? Sou nativo de Ponta de Pedras, município que teve origem na "aldeia das Mangabeiras" [vila de Mangabeira atual] localizada na primeira sesmaria que os jesuítas tiveram na ilha do Marajó, em 1686. Nesta aldeia e depois lugar de Ponta de Pedras nasceu minha avó Antônia, india marajoara morta durante o parto de nascimento de meu pai.  Meu avô Alfredo era estudante de direito quando meu bisavô Raymundo morreu de tuberculose, contraída supostamente em campo de batalha como "voluntário" da Pátria na guerra do Paraguai... Arrimo de família, Alfredo teve que parar o estudo para assumir cargo de professor primário em Muaná donde foi transferido para lecionar em Ponta de Pedras onde foi professor da indiazinha Antônia e suas irmãs Serafina e Joana, minhas tias-avós. Pela parte materna minhas origens são camponesas da Galícia, com os imigrantes que relançaram a pecuária na ilha do Marajó, no final do século XIX. De modo que este chão não me é estranho. Muito provavelmente as familias de ambos ramos da minha árvore genealógica se fundiram diversas vezes no Marajó e eu mesmo e minha mulher somos primos em terceiro grau, cujo patriarca foi um certo sargento-mor Domingos Pereira de Moraes, contemplado da fazenda São Francisco (desapropriada da Companhia de Jesus pelo governo do Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII) e que veio a ser berço do município de Ponta de Pedras no rio Marajó-Açu.  Meu pai dizia-me que pela parte indígena somos descendentes de combatentes cabanos... Mas por esse lado de minha história familiar não tenho mais do que a imaginação e a vontade de saber quem eram estes meus parentes indígenas. 

Tudo que consegui foram duas frágeis pistas, com o nome da "tribo" Guaianases [cf. Padre Antônio Vieira na carta supracitada, apud Serafim Leite in "História da Companhia de Jesus no Brasil"] figurando como uma das setes etnias "nheengaíbas" [Nuaruaques ou Marajoaras] do acordo paz de Mapuá (1659) e referida pelo mesmo autor na obra "História do Futuro"... A segunda vez que aparece este nome étnico, na linha do tempo; ele foi grafado pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1783, como Guaianazes [cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó"]. Deve-se grafar modernamente Guaianá, e por isto dei este nome ao projeto de execução descentralizada "PED-Guaianá", financiado pelo PPG7 do Banco Mundial via Ministério do Meio Ambiente e a extinta SECTAM-PA para realização pela prefeitura de Ponta de Pedras: este é um dos mais tristes "cases" de insucesso acontecidos no Marajó numa longa série de lamentáveis fracassos que tiraram a fé do povo às políticas públicas, negócios particulares e iniciativas não-governamentais em geral...

Este topônimo "Guaianases" está localizado na historiografia antiga, porém totalmente esquecido no território do município de Ponta de Pedras, mais precisamente no lugar da extinta aldeia deste povo "elevada" a Lugar de Vilar, à margem do Igarapé do Vilar (extinto completamente pela erosão) na virada anti-jesuítica de 1757 com a implantação do Diretório dos Índios (promulgado em 1755), ironicamente, cem anos após a lei de "liberdade" dos índios assinada por Dom João IV a pedido de seu amigo Padre Antônio Vieira... e desta vez ainda, para "liberdade" dos ditos índios que terminarão, na virada para o século XIX, sendo considerados "extintos" por decreto e equiparados aos súditos da coroa de Portugal embora chamados ainda de tapuios ou caboclos (saídos do mato). 

Então, uma das sete "nações" indígenas da celebração de paz de Mapuá de 1659 poderia ser localizada com aldeia junto ao igarapé do Vilar (meia légua abaixo da outrora aldeia das Mangabeiras e hoje vila de Mangabeira). Com o tempo, os derradeiros moradores do Vilar ou Vilarinho (como era mais conhecido localmente), por dificuldade de porto para suas canoas de pesca na baía do Marajó, se estabeleceram na vizinha Mangabeira. Como foi caso de Bibiano Rodrigues, patriarca de uma família das mais tradicionais do município. 

Desabitado, o lugar de tapera da extinta aldeia dos Guaianá, sem que se soubesse mais do seu passado remoto recebeu migrantes nordestinos tangidos pelas grandes secas do Ceará e Rio Grande do Norte nos começos do século XX: já sem memória também o antigo Vilar passou a ser chamado povoado de Pau Grande (motivo de uma alta samaumeira que ao longe da baía se avistava e servia de rumo à navegação). Depois da criação da Prelazia de Ponta de Pedras (1967), hoje Diocese; apagou-se o povoado Pau Grande que era Vilar e foi aldeia dos "Guaianases" citados pelo Padre grande dos índio e que também teriam esses índios perambulado pelos lados de Portel (aldeia de Arucaru, fundada pelo mesmo missionário com índios "nheengaíbas" levados de Mapuá naquele ano de 1659), que acabou sendo agrovila, vejam só, Antônio Vieira!

No dia do Produtor Rural, 25 de Julho, de 1995 fui convidado pelo bispo Dom Angelo Rivato S.J., a assistir missa campal em Antônio Vieira. Nada eu sabia sobre tudo isto que acabo de escrever agora... Foi então que na homilia o celebrante disse que ali no dito lugar o Padre Antônio Vieira havia se encontrado com sete caciques do Marajó para fazerem as pazes entres estes índios e os portugueses. Com meu velho ofício de repórter, ao término da missa indaguei donde o bispo tirou tal informação e fiquei sabendo que teria sido "no livro do padre Serafim Leite"... Fui conferir (quatro tomos maçudos, para não desanimar é preciso tarimba e alma de garimpeiro) a fonte estava correta. Mas, o lugar do histórico encontro que mudou o destino do Marajó não foi no município de Ponta de Pedras e sim no município de Breves na aldeia improvisada de índios "Mapuaises" descida dos centros (Anajás) para o referido encontro de paz, num barracão consagrado como "igreja do Santo Cristo" [hoje na Reserva Extrativista Mapuá, certamente]. 

Cresci ouvindo a história oral da ilha e tão logo fui alfabetizado me interessei em comparar estas fontes com a historiografia escrita: e tive sorte de trabalhar no Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, onde "devorei" tudo que pude concorrendo com as traças de obras raras sobre a Amazônia. Acrescendo nestas leituras o tempo em que estudei no curso de economia da Universidade de Brasília, quando acampava por horas a fio na biblioteca do campus. Entre 1974 e 1980 fui removido de Brasília para a Primeira Comissão Demarcadora de Limites, em Belém. Aí encontrei um tesouro bibliográfico amazônico magnífico: este meu curso livre de autodidata foi completado com trabalhos de campo na fronteira, mais a bagagem que eu já carregava da ilha grande do Marajó desde a infância e mocidade.



ARTE & CIÊNCIA PRA BOTAR MAPUÁ NO MUNDO E PRESERVAR O MARAJÓ COMO A LENDA DA PRIMEIRA NOITE DO MUNDO DENTRO DUM CAROÇO DE TUCUMÃ.

 Haverá outro lugar tão isolado e interessante como este rio Mapuá na boca do gigantesco Amazonas para aplicar tudo que se tem direito em matéria de educação à distância? Em abril de 2005, quando fui convidado pelo presidente da Câmara Municipal de Breves, Camilo Gonçalves, a fazer palestra sobre estes assuntos tendo por lembrança a lei de abolição do cativeiro indígena e que foi a base de delegação de competência real para a pacificação dos índios rebeldes, acusados de piratas e que a Câmara de Belém requereu a "guerra justa" [extermínio e cativeiro por rebeldia à Religião e soberania do Estado], conheci o empresário e investidor chinês Lap Chan, diretor do "Projeto Ecomapuá"; que tinha intenção de realizar captação de carbono na área. Ver  http://www.usp.br/fau/depprojeto/labim/antigo/mapua.htm .

No mês seguinte à minha viagem a Mapuá, o Presidente Lula assinou decreto criando a Resex Mapuá. Em Belém, Lap Chan conversou comigo na PARATUR onde eu estava como assessor institucional, e ele não sabia ainda da criação da unidade de conservação. Disse-me que achava que as terras que havia comprado de um japonês em São Paulo, madereiro em retirada depois que não havia mais madeira para extrair; aparentemente não fariam parte da Resex... Em Breves, praticamente ninguém sabia claramente quais eram os planos da ECOMAPUÁ, o investidor era visto com desconfiança e conhecido apenas como "o chinês do Mapuá"... Não sei exatamente como terminou ou se não terminou a história do chinês do Mapuá. Mas o blog a seguir, entrevistando o coordenador do Instituto Chico Mendes em Breves, Giovanni Salera Júnior, diz que não existe mais aquele projeto:http://www.recantodasletras.com.br/entrevistas/2220715  ...  "É verdade que a empresa Ecomapuá já esteve lá na área, e até poucos dias atrás ela ainda tinha um site falando sobre sua presença na Resex Mapuá, mas felizmente esse problema não existe mais. Hoje, a área onde havia um viveiro de mudas da empresa está abandonada e só restam lembranças da presença dessa empresa lá na região.

     A área da Reserva pertence ao Governo Federal e que tem a responsabilidade pela área é o Instituto Chico Mendes e a AMOREMA (Associação dos Moradores da Reserva Mapuá). "

AMOREMA – Associação de Moradores da Reserva Extrativista Mapuá

     A Reserva Extrativista Mapuá foi criada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Decreto Presidencial s/nº, de 20 de maio de 2005, com uma área aproximada de 94.463,03 hectares, no município de Breves, Ilha de Marajó, Estado do Pará.
    A criação da Reserva Extrativista Mapuá ocorreu simultaneamente com outras Reservas Extrativistas (RESEX) no Estado do Pará. Esse processo de criação dessas Unidades de Conservação contou com forte atuação do Conselho Nacional das Populações Tradicionais, o famoso CNS.
     Em agosto de 2005, representantes do IBAMA, do CNS e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Breves estiveram presentes na “Comunidade Bom Jesus”, situada às margens do rio Mapuá, para informar acerca da necessidade de criação da AMOREMA, para contribuir com a co-gestão da RESEX Mapuá.
    Assim, em 05 de novembro de 2005, ocorreu a Assembléia de criação da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Mapuá (AMOREMA), com sede administrativa na “Comunidade Bom Jesus”, município de Breves, Ilha de Marajó, Estado do Pará. Essa Assembléia foi presidida pelo Analista Ambiental do IBAMA, Francisco de Assis Grillo Renó “Chico”, e pelo Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Breves, Sr. Luiz Carlos Albuquerque Monte “Índio”.
     De acordo com seu Estatuto Social, “A AMOREMA é uma sociedade de natureza civil, sem fins econômicos, destinada a proporcionar aos seus associados uma forma de participação comunitária ativa”.
     O Sr. Antônio Ferreira Gonçalves, mais conhecido como “Galo”, está no segundo mandato como Presidente da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Mapuá (AMOREMA). O Sr. Antônio “Galo” é membro do STR de Breves há mais de 20 anos e militante do Partido dos Trabalhadores (PT). Entre os anos de 1998-2004, desempenhou um relevante trabalho como Agente Comunitário de Saúde, percorrendo todas as comunidades da região da RESEX Mapuá e suas vizinhanças. Telefone para contato: (091) 9176-2098.
     Desde sua criação, a AMOREMA é a Associação-Mãe da Reserva Extrativista Mapuá, o que permitiu que, em abril de 2010, o Sr. Antônio Ferreira Gonçalves “Galo” estivesse em Brasília (DF) para representar os moradores de Mapuá na assinatura do “Contrato de Cessão de Direito Real de Uso”.
     O Governo Federal, ao entregar esse título de "Cessão de Direito Real de Uso" para a AMOREMA, está garantindo às famílias que tradicionalmente vivem da agricultura de subsistência, do extrativismo vegetal, da caça e pesca artesanal na RESEX Mapuá o direito de acesso a seus territórios tradicionais e uso sustentável da biodiversidade da Amazônia. Esse instrumento jurídico permite aliar a regularização fundiária e o apoio ao desenvolvimento local, à preservação do patrimônio cultural e ambiental brasileiro.
    A AMOREMA foi criada há pouco tempo, mas graças a atuação exemplar do Sr. Antônio "Galo" e demais representantes essa Associação tem-se destacado muito de modo que a RESEX Mapuá tornou-se referência para a região da Ilha do Marajó e para todo o Estado do Pará.

 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: PRIMEIRO PASSO AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL

 Depois de séculos de violência, expropriação e marginalização das populações tradicionais amrajoaras, pela primeira vez o governo da República Federativa do Brasil atendeu aos apelos da comunidade por intermédio da Igreja Católica Romana. A presença da igreja na região, como vimos acima, é um fato histórico negar isto ou as suas contradições como pretenteu o Diretório Pombalino e seus imitadores é uma tolice. Quem fala não é de nenhuma igreja. Muito mais é negar o dever do Estado-Nação, justamente demandado pela comunidade.

O Marajó já tem um rumo e não está mais à matroca como um barco à deriva: porém é preciso dar mais velocidade ao processo de desenvolvimento e integração com a participação da "Criaturada grande de Dalcídio" [populações tradicionais] e controle social sem preconceitos.

(em baixo foto da visita de Lula em Breves)
 em 06/12/2007


Fotos
Fonte:

2 comentários:

  1. Que legal!Essa historia de Mapua é muito rica, fico feliz de fazer parte desse território.

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  2. Que legal!Essa historia de Mapua é muito rica, fico feliz de fazer parte desse território.

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